Por Hortênsia Nunes B. de Oliveira*
Vejamos o seguinte caso prático: um condomínio edilício, em outras palavras, um prédio, requereu perante a justiça uma indenização a título de danos morais em decorrência da realização de um evento, por parte de condôminos. Os condôminos desrespeitaram tanto as normas condominiais, quanto contrariaram uma ordem judicial quando promoveram uma festa para mais de 200 pessoas.
Devemos iniciar sabendo que os condomínios, para a doutrina clássica do direito, não possuem personalidade jurídica, ou seja, não possuem a capacidade de adquirir direitos e deveres. Tal entendimento decorre da leitura do Código Civil vigente, que em seu artigo 44 traz quem são as pessoas jurídicas de direito privado, e dentre elas não está expressa a figura do condomínio.
Acontece que, com o passar dos anos, houve uma crescente no número de doutrinadores que adotam a teoria que o condomínio edilício deveria sim ser reconhecido como personalidade jurídica, e o rol estabelecido no Código Civil vigente deveria apenas ser lido de forma exemplificativa.
Você provavelmente está pensando: Mas eu conheço um condomínio que possui CNPJ. Ocorre que o fato de possuir CNPJ não altera em nada a discussão doutrinária, pois os condomínios são equiparados a empresa no que tange a obrigatoriedade de inscrição no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica – CNPJ, mas tal inscrição não lhes concede personalidade.
Seguindo a linha da doutrina contemporânea, o Superior Tribunal de Justiça já reconheceu a personalidade do condomínio para fins tributários. E neste sentido a I Jornada de Direito Civil (2002), aprovou o Enunciado 90, (já alterado pelo enunciado 246) que estabelece que “deve ser reconhecida a personalidade jurídica do condomínio edilício.”
Entendidos tais pontos e diante de toda essa divergência, voltemos a discussão inicial vislumbrando o caso prático, ou seja, voltemos a discussão acerca da possibilidade ou não condomínio sofrer danos morais em face da promoção de um evento proibido.
Analisando tal caso a Ministra Nancy Andrighi destacou que “no âmbito doutrinário, a matéria é bastante controvertida, considerando que o art. 44 do CC/02 não elenca o condomínio no rol de pessoas jurídicas de direito privado.”
Ocorre que, diante de tais fatos, a turma responsável pelo julgamento do caso em questão resolveu seguir a doutrina clássica, sendo assim o condomínio foi considerado como ente despersonalizado e por isso, não sofre danos morais. O pedido indenizatório foi julgado improcedente, e foi destacado que o condomínio não é o titular da propriedade; tanto as unidades autônomas, quanto as partes comuns, pertencem exclusivamente aos condôminos.
Deste caso podemos enxergar a existência clara das discussões doutrinárias que impactam nas decisões judiciais. Temos na esfera jurisprudencial o reconhecimento pelas Turmas que compõem a Primeira Seção (direito público), o entendimento de que os condomínios possuem personalidade jurídica – ou devem ser tratados como pessoa jurídica; já nas turmas que compõem a segunda seção (direito privado), prevalece que os condomínios são entes despersonalizados.
Em face dessas discussões, com o intuito de uniformizar as decisões, bem como por enxergar necessidades econômicas e sociais da atualidade, houve a proposição de Lei com o escopo de possibilitar a aquisição da personalidade jurídica pelo condomínio edilício, mediante o registro, no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, de seu ato de instituição, de sua convenção e da ata que registra a sua constituição. O projeto encontra-se na Câmara dos Deputados, após aprovação no Senado Federal.
E você, o que acha dessa discussão? O condomínio possui personalidade jurídica?
*Hortênsia Nunes Braz de Oliveira (hnunesboliveira@gmail.com / @hortensianboliveira) é advogada, membro da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da OAB-Caruaru, pós-graduada em Direito Processual Civil, Direito Tributário e Direito público.