“O sapo não lava o pé, não lava porque não quer”
Com as chuvas atípicas, surgem, em algumas localidades de nossa cidade, os sapos. Esses anfíbios são bioindicadores: por serem sensíveis à poluição, só habitam águas limpas. Os anuros estão representados por anfíbios sem cauda (sapo, rã e perereca), que quantificam 5.602 espécies. Os sapos têm vida terrestre, geralmente são mais volumosos, possuem pele áspera e seca, cheia de imperfeições e membros dianteiros curtos – por isso têm um pulo restrito. Já as pererecas, são arbóreas, têm pele bem mais lisa, mais úmida e medem – no máximo – 20 centímetros; elas possuem os membros dianteiros e traseiros compridos, as pontas dos dedos com ventosas e cabeça e olhos grandes. Enquanto que as rãs possuem pernas longas, conseguem dar saltos longos e possuem membranas entre os dedos.
Existem vários mitos acerca dos anuros; especialmente sobre os sapos, que são mal vistos pela população pela aparência, pela produção de veneno e pela suposta capacidade de cegar as pessoas com a urina – mitos criados que são passados de geração em geração. Ainda durante o movimento modernista, Manuel Bandeira satirizou os poetas parnasianos ao chamá-los de sapos em um poema que foi declamado por Ronald de Carvalho na Semana de Arte Moderna de 1922.
Algumas espécies de sapo realmente possuem, próximo aos olhos, glândulas denominadas “parotóides”, que esguicham uma substância leitosa de defesa, assim, quando sofrem pressão, liberam esse líquido (que causa irritação ou coceira da mucosa atingida, mas nada de grave). O animal também pode urinar para que o ser humano solte-o; se atingir o olho, provocará irritação. Enquanto o coaxar do sapo é tanto para demarcar território quanto para atrair as fêmeas para o acasalamento, eles também emitem sons de advertência, usados em situação de risco. Já a reprodução deles ocorre na estação chuvosa, sendo que algumas espécies podem reproduzir duas vezes ao ano.
Apesar dos sapos não trazerem doenças para o ser humano, alguns cuidados são necessários. Se aparecer um em sua casa, retire-o com cuidado: não pode matar – além de ser um crime ambiental, eles estão desaparecendo do planeta. Evite de pegar o animal e se, em último caso, for preciso, utilize luvas, tomando cuidado para não colocar as mãos nos olhos ou na boca, o que poderá levar vários microorganismos que protegem a pele do sapo. Também coloque proteções entre o piso e as portas de entrada e do quintal de sua casa para que eles não entrem.
Esses animais são controladores de pragas de insetos e seus predadores são as serpentes. Contudo, um terço dos anfíbios está desaparecendo do planeta devido a diversos fatores que contribuem para este cenário caótico, como as variações de temperaturas, o grande ataque de fungos à espécie (quitridiomicose), as secas prolongadas e o uso de pesticidas. Cuidar dos sapos, portanto, é cuidar também do equilíbrio ambiental e da nossa própria saúde, já que várias substâncias encontradas na pele do anfíbio têm uso medicinal – e muitas outras ainda estão sendo pesquisadas.
Os Sapos – Manuel Bandeira
“Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.
Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
– “Meu pai foi à guerra!”
– “Não foi!” – “Foi!” – “Não foi!”.
O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: – “Meu cancioneiro
É bem martelado.
Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.
O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.
Vai por cinquenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A fôrmas a forma.
Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas…”
Urra o sapo-boi:
– “Meu pai foi rei!”- “Foi!”
– “Não foi!” – “Foi!” – “Não foi!”.
Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
– A grande arte é como
Lavor de joalheiro.
Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo”.
Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas,
– “Sei!” – “Não sabe!” – “Sabe!”.
Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Veste a sombra imensa;
Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é
Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio…”