Por Hortênsia Nunes B de Oliveira
Quando o tema é interpretação legislativa, temos uma gama de possibilidades que aplicar-se-ão a depender do caso, norma e matéria. A interpretação pode ser literal, restritiva, extensiva etc. Mas além das formas de interpretação, temos no âmbito legislativo métodos que visam solucionar os conflitos existentes entre as normas, os quais variam desde o tempo de sua publicação, passando por sua hierarquia e chegando à especificidade da matéria.
Sim, meus caros, temos possibilidades que serão aplicadas observando seus critérios, para que assim saibamos qual a norma que será utilizada em determinado caso, bem como qual a forma que ela será interpretada.
Esta semana tivemos uma definição pelo Superior Tribunal de Justiça quanto à aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor à resolução do contrato de compra e venda de imóvel com alienação fiduciária. Calma, vou explicar.
O contrato de compra e venda de imóvel com alienação fiduciária é aquele há a garantia real do pagamento, ou seja, funciona da seguinte forma: realiza-se a compra e venda, entretanto, para conseguir adimplir o valor do imóvel, o comprador financia o valor para a sua aquisição. Sendo assim, para conseguir o financiamento será dado em garantia ao credor-fiduciário o imóvel adquirido pelo comprador e devedor fiduciante e com isso o credor, em linguagem popular, se torna dono do bem. Sendo assim, o comprador/devedor só terá a propriedade de forma livre e desembaraçada quando estiver totalmente quitada, tendo em vista que houve anteriormente o desdobramento da posse.
Ultrapassando a base contratual, temos em tela, quando tratamos de rescisão contratual contrato de compra e venda de imóvel com garantia de alienação fiduciária duas possíveis regras: o Código de Defesa do Consumidor e a Lei da alienação fiduciária.
- Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, Art. 53: Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado;
- Lei da alienação fiduciária, Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997, Art. 26: Vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora o fiduciante, consolidar-se-á, nos termos deste artigo, a propriedade do imóvel em nome do fiduciário.
Claramente enxergamos o conflito, e nos questionamos: quando formos resolver um contrato de compra e venda na hipótese de inadimplemento do comprador/devedor fiduciante, este poderá recuperar parcela do valor que já foi pago ou não?
Para o Código de Defesa do Consumidor, de cara, já são nulas as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas, sendo assim, ele terá parte de seu dinheiro de volta. Já a Lei da alienação fiduciária estabelece que vencida a dívida, sem o pagamento total ou parcial, a propriedade do imóvel fica consolidada em nome do credor fiduciário.
Pondo fim a esta discussão, baseados nos critérios estabelecido para conflitos normativos, em 26 de outubro de 2022, tivemos o seguinte enunciado aprovado: “Em contrato de compra e venda de imóvel com garantia de alienação fiduciária devidamente registrada, a resolução do pacto na hipótese de inadimplemento do devedor, devidamente constituída em mora, deverá observar a forma prevista na Lei 9.514/1997, por se tratar de legislação especifica, afastando-se, por conseguinte, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor”.
Sendo assim, foi esse o entendimento pela 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça que buscou impedir o inadimplemento e o atraso dos pagamentos a serem realizas pelos compradores/devedores, posto que poderá não haver a devolução do valor já pago no caso de resolução contratual.
*Hortênsia Nunes Braz de Oliveira (hnunesboliveira@gmail.com / @hortensianboliveira) é advogada, membro da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da OAB-Caruaru, pós-graduada em Direito Processual Civil, Direito Tributário e Direito público.